O domingo que eu queria ter

da Mica, hertei aqui

-Última chamada para o voo 227 com destino a São Paulo!

Essa foi a última frase que ouvi antes de me despedir da minha cidade. Já vi pessoas no extremo e pessoas ricas pegando avião para onde querem quando querem, mas meu caso não se encaixa. Apenas pensei 'por que não?' e comprei minha passagem. Não tinha mala, só minha bolsa com uma blusa de frio (é São Paulo, nunca se sabe), minha carteira e um presente. Meu banco ficava do lado de um cara com um cheiro meio indiscritível, mas não podia reclamar. Pelo menos estava na janela.

Não abri o twitter e nem avisei nada a ninguém. Estava tão ansiosa que engoli o lanche que serviram com vontade e checava as horas o tempo inteiro. Nunca que uma hora passou tão devagar! Minha Playlist foi inteiramente de Arctic Monkeys, mas apenas um trecho grudou na minha cabeça e não me deixou prestar atenção em mais nada. 'I'm going back to 505, I'm going back to 505, I'm going back to 505...'

De repente fiquei com medo. E se ela estivesse viajando, e se ela não quisesse me ver ou se estivesse ocupada? Por um momento, pareceu que eu tivesse engolido pedras de gelo. Fiquei meio zonza. O avião começou a pousar. Sem a parte chata de pegar malas, para mim ficou mais fácil. Entrei no primeiro táxi que vi e entreguei a ele um papel com o endereço. Não me importava se ficasse 300 reais. Se eu realmente estivesse me importado com alguma coisa desde o início, não teria sequer entrado naquele avião. Aquele lanche me deixou enjoada. Abri a janela e um vento a 80km/h bagunçou meu cabelo. Isso era bom. Tão bom que me deixou entorpecida por alguns minutos. Ou horas, não faço a menor ideia. Só voltei à consciência quando o taxista disse 'chegamos, moça'. Por um segundo, tudo ficou preto. Não, isso com certeza não é uma boa hora para desmaiar! Você já fez coisa parecida antes... Não seja tão covarde! Paguei e fui em direção à porta. Iria conhecer por dentro a casa que só vi em fotos... E a dona da casa. Bem, a filha da dona. Estava tremendo. Toquei a campainha.

-Oi... Vim ver a Micaela! -consegui dizer com a voz meio engasgada. Pigarreei um pouco para tentar amenizar aquela situação estranha.

-Ah... Ela não está agora, quer que eu avise para ela que você veio aqui?

-Não, pode deixar... Obrigada.

Não pude conter a decepção jorrar na minha voz. Me lembrou de quando eu era uma garotinha, abria um presente e tinha roupas dentro. Voltei com o embrulho feito as pressas para dentro da bolsa e segui andando pela rua, sem saber o que fazer. Entrei na primeira loja de chocolate que vi depois de um tempo caminhando e pedi para usar o banheiro. Molhei o rosto, retoquei a maquiagem e tentei abaixar a juba que costumam chamar de cabelo.  Voltei à entrada da loja mais tranquila e acabei pegando uns chocolates. Vi um banco logo em frente e me lembrei de como estava cansada e acabei me sentando ali mesmo. Comi os chocolates, ignorando a sede causada por eles. Fechei os olhos. Pouco tempo passou e ouvi um resmungo 'Uf... Odeio domingos' que me fez instintivamente abrir os olhos. Encarei aquela garota de cabelo castanho curto com cara de tédio que passou sozinha na rua, com uma sacola na mão. Parou e encarou a loja de chocolates, decidindo se entrava ou não. Desviou os olhos por um momento e olhou ao redor. O olhar parou em mim e se arregalou. Acho que ouvi meu nome bem baixinho, ou foi só impressão. Ela chegou mais perto e tive certeza que estava certa.

-Mica?

-A... Eu... Não acredito que você tá aqui! -e voou para cima de mim, no que algumas pessoas chamam de 'abraço de urso'.

-Nem pergunte como -ri- e parabéns! -soltei um braço para entregar um embrulho prateado.

-Não precisava de presente, não precisava ter vindo! -parou de rir por um segundo- Mentira, precisava sim!

Passei o dia como uma criança em um parque de diversões. Era a minha Disney e tudo o que eu senti falta por meses -talvez até anos! As vezes, a distância e essas paradas torna tudo mais emocionante. Não teria tanta graça se ela fosse minha vizinha. Bom, na minha cabeça ela é. E invejo todos os seus vizinhos pelo simples fato de serem vizinhos dela. Imagina minha irmã caçula fazer 15 e eu nem aparecer? Não sou tão má. Má foi ela de não me deixar adotá-la. Ou me adotar.

-Agora jura que não vai reclamar de domingos! -brinquei.

-Desse não, mas me aguarde no facebook semana que vem! -disse, olhando as fotos tiradas no dia. Joguei um chocolate na sua cabeça. Quantos mais sobraram? Nunca me deixem comprar nada quando estiver triste. -Ai! Você me ama mesmo, né?

-É por aí.

Texto dedicado à Micaela sobre a loucura que eu poderia fazer hoje, mas não deu. Mas você não quer festa, quer um texto! Parabéns, gata!